No dia 17 de março, a pesquisadora do Nuprima, Camila Munareto, acompanhou o painel "The Iranian-Saudi Agreement: Impact on the Gulf and U.S.-Saudi Relations" promovido pelo Gulf International Forum. O painel contou com a participação do Dr. Abdulaziz Sager, da Dr. Banafsheh Keynoush e do Dr. Kenneth Katzman e moderado pela Dr. Dania Thafer.
Confira a seguir a análise da pesquisadora Camila Munareto:
Dr. Abdulaziz Sager
Founder and Chairman, The Gulf Research Center; Advisory Board Member, Gulf International Forum
O acordo ocorre em um contexto no qual a Arábia Saudita decidiu ter uma relação mais balanceada na região e deu início a uma política de engajamento com seus vizinhos (começou com o Iraque, Turquia e agora Irã). Para o Irã, esta é uma opção para aliviar a pressão internacional e sair do isolamento regional.
Destaca a existência de acordos anteriores (1998 e 2001) e a expectativa da Arábia Saudita de ter maior clareza acerca de questões como expansionismo e intervencionismo iraniano, o apoio a milícias e o programa nuclear. Neste último tópico, ressalta uma mudança na postura da Arábia Saudita em relação à assinatura do JCPOA. Se anteriormente a retomada de relações com o Irã estava condicionada à assinatura do acordo, agora se tem a expectativa de que essa reaproximação auxilie nas negociações do JCPOA (a avaliação da Arábia Saudita é de que qualquer acordo é melhor do que nenhum acordo).
Why China? Além da China ser um grande parceiro econômico de ambos os países, outros agentes que poderiam ter desempenhado esse papel possuem suas limitações – EUA (relação conturbada com o Irã); Rússia (foco na guerra na Ucrania); União Europeia (tem procurado reduzir suas relações diplomáticas com Irã) – de modo que coube à China desempenhar este papel (“a role in between”).
Posição dos Estados Unidos: o acordo não é visto de forma negativa pelos EUA, consideram que traz estabilidade para a região. Além disso, os norteamericanos não foram surpreendidos com a notícia (na verdade, foram informados pela Arábia Saudita antes do anúncio). Com isso, entende que o acordo não altera as relações entre Arábia Saudita e EUA.
Dr. Banafsheh Keynoush
President, MidEast Analysts
Analisa como o acordo repercute entre os grupos políticos iranianos, especialmente entre os setores mais “linha-dura” (hardliners, ligados ao Líder Supremo), que, no governo atual, são a única linha política que tem voz ativa. Ressalta, porém, que o acordo não é uma política sectária, mas sim, decorre de demandas contextuais e estruturais.
Entende que os hardliners veem o acordo com a Arábia Saudita como uma tentativa de conter a ampliação dos Acordos de Abraão (tratado de paz assinado entre Israel e EAU normalizando suas relações diplomáticas). Tratase assim de uma forma de desencorajar a Arábia Saudita a se alinhar totalmente aos EUA e diminuir o impacto de uma possível normalização das relações entre Arábia Saudita e Israel. Além disso, o acordo procura reduzir a violência resultante de conflitos no Oriente Médio, como o Yemen e Síria. No longo termo, seria uma oportunidade de mitigar tensões no Golfo e expandir novos acessos de resistência iraniana em outras partes do mundo.
Ressalta que, desde que a Arábia Saudita não entre em conflito com princípios revolucionários da política externa iraniana, os hardliners vão permanecer flexíveis e acomodando o acordo sem comprometer sua agenda revolucionária. O acordo é inclusive visto pelo Irã como uma prevenção a um possível redesenho do Oriente Médio por parte dos EUA e Israel. Entende-se que é menos custoso trabalhar com a Arábia Saudita do que engajar em uma disputa com esses dois países.
Destaca também que essa reaproximação impacta os protestos iranianos, uma vez que contém a influência externa e a propaganda contra o regime.
Em relação à China, entende que não foi um acordo custoso para o país e que acaba por consolidar sua relação tanto com a Arábia Saudita, quanto com o Irã.
Dr. Kenneth Katzman
Senior Fellow, The Soufan Center; Non-Resident Senior Fellow, Gulf International Forum
Não vê o acordo como um “game changer” na região. Acredita que o acordo vai durar até que a próxima vez que a Arábia Saudita executar um xiita de alto escalão ou até que protestantes pró-regime ataquem a embaixada da Arábia Saudita em Teerã (vê isso como eventos inevitáveis).
Considera que a atuação da China não vai resultar em nenhum reajuste da política americana para a região, muito menos em relação à Arábia Saudita. Ainda que a China tente ampliar seu papel global e incorporar a área do Golfo, ela não está em posição (nem tenta ou espera) substituir os EUA em seu papel de garantir a segurança do Golfo. Acredita também que o acordo não impacta as relações entre China e EUA.
O acordo não vai parar a cooperação entre Israel e Arábia Saudita. No entanto, o pacto sinaliza que a Arábia Saudita não participará de alguma ação militar israelense contra o Irã (seja contra as estruturas nucleares ou qualquer outro tipo de ataque). Destaca, porém, que nem os EUA apoiaria esse tipo de ação (não querem ataque preventivo). Ainda que as negociações não tenham avançado, os EUA permanecem desejando a assinatura do JCPOA.
Destaca ainda que o acordo não muda o fato de que Irã é “o país mais rivalizado do planeta” para o congresso americano e tampouco vai resultar na diminuição de alguma sanção aplicada.
Ainda assim, se espera um apaziguamento do conflito no Yemen (fim dos ataques de drone). Na verdade, considera que essa é uma condição para a continuidade do acordo (uma vez possibilitaria que os EUA dedicassem foco total na guerra na Ucrânia).
Perguntas Finais
Como o acordo afeta outros países do Oriente Médio?
Yemen: espera-se o início de um apaziguamento do conflito, cessar-fogo permanente. No entanto, as condições para que isso ocorra permanecem em debate.
Israel: Os acordos de Abrãao possibilitaram que Israel penetrasse a periferia do que entendemos pela região do Golfo. Com isso, por mais que a aliança entre Arábia Saudita e Irã não possa ser vista como uma contra aliança a esse acordo, ainda assim, sinaliza que não há expectativa de que a Arábia Saudita vá normalizar suas relações com Israel (“peace precedes normalization”).
Síria: Com a guerra da Ucrânia, tudo que sobrou para o Assad é o auxílio fornecido pelo Irã (que também está sendo reduzido). Diante disso, a questão que se coloca para Assad é a necessidade de desengajar com o Irã para fazer parte de Liga Árabe.
O papel da China está aumentando na região? Entendem que apesar do aumento das relações comerciais estratégicas entre Golfo e China, ela não substituirá os EUA no âmbito de segurança.
A relação entre Irã e a Arábia Saudita é baseada em fatores estruturais, ou seja, sua habilidade e a habilidade de atores externos (como China e EUA) de ajudá-los a preservar um determinado nível de balança de poder. Se essa habilidade é perturbada por algum fator (guerra na Ucrânia, acordos de Abrãao), é de se esperar que as tensões aumentem. Nesse sentido, a questão que se coloca agora é qual espaço de manobra será deixado para que Arábia Saudita e Irã deem continuidade a sua reaproximação (esse acordo é apenas o começo).
Link da palestra: https://www.youtube.com/watch?v=o47o5G7fdtM
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